O atual autarca da Câmara de Nelas  procura nas autárquicas, a 1 de outubro, um segundo mandato com uma recandidatura pelo PS. Até lá, Borges da Silva fala do passado, do presente e perspetiva o futuro da sua vida política.

Olhando para o seu percurso… o que lhe deu mais prazer nestes anos que já leva como homem político de Nelas?

Estou a concretizar um sonho. Nasci e fui criado em Nelas. O município surgiu em 1852 e até hoje não houve nenhum presidente da câmara natural daqui. Todos os autarcas eram dos arredores, ou do próprio concelho, mas de localidades como Santar, Vilar Seco e Canas de Senhorim. Sinto-me orgulhoso por vir de uma família trabalhadora e humilde, com seis irmãos, mas que apesar das dificuldades de perder um pai cedo conseguiu singrar na vida. Tive possibilidade de estagiar como advogado e abrir escritório em Viseu, sempre com o objetivo de regressar a Nelas e construir vida. Sinto-me bem ao saber que conquistei a confiança de todos numa profissão de confronto que é a advocacia. Colhi amigos e menos amigos também, mas procurei sempre com profissionalismo obter nos adversários as vantagens que me podiam dar. Vivo este percurso com paixão. Quem comanda um concelho com 14 mil habitantes como Nelas recebe em termos líquidos um salário a rondar os 2400 euros por mês, ou seja, manifestamente não se vai para a política para ganhar dinheiro.

A que soube o ganhar das eleições há 4 anos? Surpreendeu-lhe o resultado?

Ganhei as eleições à presidente de câmara Isaura Pedro e com um vice-presidente que fazia de presidente. Apesar da vitória, os resultados surpreenderam-me por Isaura Pedro ter tido tantos votos. Num clima de desgraça e calamidade que o concelho vivia… não estava à espera que ainda houvesse gente a votar nela. Do ponto de vista financeiro, o segundo mandato de Isaura Pedro resume-se a empréstimos em cima de empréstimos. Dívida para pagar dívida.

Se ganhasse as eleições sabia que ia ter esse constrangimento do anterior mandato ou ficou surpreso com o estado do concelho?

Condicionou toda a minha ação nestes 4 anos. Não houve uma surpresa total. No período de 2009 a 2013, houve um plano de saneamento financeiro de 7 milhões de euros e antes de eu entrar na câmara, em novembro de 2012, foi aprovado por maioria um plano de restruturação financeira que significava a pré-falência da Câmara Municipal. Contratação de empréstimos além do limite máximo do endividamento. No dia em que eu tomei posse fui confrontado com a reincidência de um comportamento de irregularidades, que a câmara vinha mantendo e comprovado por um relatório da inspeção das finanças. Cada página é um chorrilho de violações da legislação que se aplica às autarquias locais devido ao excesso de endividamento. Havia 800 mil euros de despesas irregulares para pagar, que não estavam nas contas. A Inspeção Geral das Finanças veio a produzir um relatório em que confirmou a nulidade dos contratos que estão na base dessas despesas.

 Como estava o Município de Nelas quando chegou?

No dia 28 outubro de 2013, tinha 160 euros de fundos disponíveis. Com uma dívida total de 16 milhões… Era a calamidade total. Mais de 15% da iluminação pública estava desligada. Da frota dos autocarros 3 estavam à venda. Havia retroescavadoras apreendidas porque tinham de ter sido legalizadas e não foram. Não havia um único projeto financiado. No âmbito da CIM Viseu Dão Lafões, havia um projeto de eficiência energético, a que 14 municípios aderiram, e que a Câmara de Nelas decidiu um dia antes das eleições desistir. Estamos a falar de cerca de 100 mil euros. O ambiente? Outra calamidade. Dos 14 mil habitantes menos de 1000 usufruíam da Estação de Tratamento de Águas Residuais. A Escola Secundária e o Lar de São Miguel, com centenas de pessoas e a funcionar desde a década de 80, nunca passaram por uma estação de tratamento. As águas eram despejadas diretamente no Rio Mondego. Um jurista e que vai ser recandidato do CDS e uma licenciada em medicina sabiam disso e nunca fizeram nada invocando que não havia fundos para fazer face a este problema. Nelas apresentava uma taxa de desemprego preocupante. As dificuldades na Câmara de Nelas justificam-se claramente pela falta de trabalho e competência.

 Se é adorado por uns, por outros nem tanto… lida bem com isso?

Há quem não goste de mim. Sei quem são até por alguns comentários que surgem nas redes sociais. Apesar disso, ninguém pode criticar a minha capacidade de trabalho. A dedicação que presto às causas em que me envolvo é notória. Sinto que, mesmo as que não se identificam comigo, confiam em mim. A gestão desta autarquia nos últimos quatro anos é prova disso. Nunca fui um presidente de corpo inteiro porque estava limitado. Tenho pena disso. Neste mandato tive de demitir o Vice-Presidente de Câmara [Alexandre Borges]. Era de tal maneira uma força de bloqueio no executivo que se sentou à minha frente e disse: “Estou a fazer de tudo para que não seja reeleito e sequer indicado pelo partido socialista como candidato”. Nesse dia quebrou-se a confiança. Era algo inacreditável. Havia uma série de fricções. Vou dar um exemplo mal-amanhado. A Comissão Política Concelhia em Nelas tinha na equipa o Ronaldo (que era o presidente de câmara), mas ficava sempre como suplente e até o escondiam.

Já esteve ligado a outros partidos políticos. Isso condiciona a perspetiva que as pessoas têm de si?

Considero-me um homem de ideias e não propriamente um político. Sou apenas da terra. Estou em todas as eleições autárquicas desde 1993. Pelo CDS fui eleito para a Assembleia Municipal e depois em 1997 já era o terceiro da lista à Câmara Municipal pelo PSD. Em 2011, fui cabeça de lista à Assembleia Municipal também pelo PSD. Em 2005, com a Isaura Pedro, era o vice-presidente… de que saí passado um ano já a prever a desgraça que viria pela falta de poder, preparação e liderança da então presidente. Pouco tempo antes de ter sido convidado a integrar como independente a lista socialista, eu era militante do PSD. Aí discordei da política, obtive um processo disciplinar com vista a expulsão que depois acabou por ser anulado e decidi desfiliar-me. Neste momento, pelo apoio que tenho sentido pelos simpatizantes de Nelas, pela distrital do PS e por altos dirigentes nacionais… sinto-me bem na família do PS.

Diz que vai apresentar uma equipa renovada para o próximo mandato.

Sofia Relvas mantém-se. O Alexandre Borges não vai constar na lista. Ele e o Adelino Amaral entraram na câmara numa situação de oposição. A primeira questão que colocaram logo foi a retirada de competências da Câmara Municipal de Nelas dadas ao presidente logo na primeira reunião do mandato. Uma delas, numa situação de dificuldade e de ajustamento financeiro em que se torna difícil fazer uma previsão com todo o rigor que se exige porque o dinheiro é escasso, as competências de fazer alterações orçamentais. Mesmo as mais elementares.

Isso impediu-o de concretizar grande parte das medidas a que se comprometeu?

Logo à chegada instituí a medida “SOS Buraco”. Uma política participativa em que os nelenses, como agentes de informação, viam um buraco na estrada e comunicavam à autarquia para o resolver. Quem diz buraco não se refere só aos da estrada, mas a todos os buracos que havia na câmara. Tivemos de reduzir o endividamento dos 16 milhões de euros e já conseguimos diminuir 35%. Vamos fechar o mandato pouco acima dos 9 milhões. Pedimos autorização para a contratação de um empréstimo caso seja necessário para acompanhar investimentos em fundos comunitários e pedimos um despacho no sentido de ser suspenso o plano de restruturação a que ainda estamos obrigados, uma vez que já estamos abaixo do limite máximo de endividamento. No ambiente, conseguimos financiamento para uma ETAR em Canas de Senhorim, abandonada há mais de 20 anos, de 1 milhão e que serviu toda a freguesia de Nelas e das duas zonas industriais. Temos hoje financiados, no PT 2020, 9,3 milhões de euros a nível investimentos no saneamento. Vamos construir ETAR’S em Santar, Casal Sancho, Vilar Seco, Moreira, Lapa do Lobo, Aguieira e Carvalhal Redondo. Esta última a mais cara de todas, a rondar os 500 mil euros. 1,5 milhão de euros FEDER, também no círculo urbano de água, em que vamos candidatar uma ETAR em Canas de Senhorim para que o concelho fique com uma maior autonomia de abastecimento (neste momento somos abastecidos por Fagilde, mas ao fim de 6 horas o povo fica sem água). Trata-se de um sistema com telegestão e com um pulmão de água com 4 mil metros cúbicos que nos permite uma independência de 40 horas. Estimo que nos próximos 2 anos Nelas fique na linha da frente do país no tratamento de resíduos e saneamento das suas populações. Obras absolutamente estruturantes.

“Estimo que nos próximos 2 anos Nelas fique na linha da frente do país no tratamento de resíduos e saneamento das suas populações”

Estamos a falar de um investimento que para muitas câmaras municipais é o seu orçamento anual.

É verdade. A nossa receita corrente ronda os 9 milhões de euros, recebemos de FEF 4,5 milhões, há cerca de 3,5 milhões de receitas próprias, a iluminação pública concessionada juntamente com a água fazem-nos à volta de 10 milhões, a adicionar fundos comunitários etc., o orçamento pode, como este ano, ultrapassar os 13 milhões.

Como está hoje o concelho em termos de emprego? 

Quando entrei na câmara a primeira coisa que se fez foi procurar mão de obra. Encontrámos um pedido de 60 costureiras no Centro de Emprego de Tondela e enviámos um autocarro de gente à empresa Aquinos, em Tábua. A ideia encantou Carlos Aquino que foi à Câmara dizer que queria instalar uma fábrica no nosso concelho. Nelas, do ponto de vista do emprego, nunca mais foi a mesma. Hoje temos grandes investimentos como a Luso Finsa, Moveco, Borgstena, Faurecia e ColdKit. As estatísticas relatavam cerca de 850/900 desempregados e atualmente contamos apenas com 500/600. O Hotel das Caldas da Felgueira (que estava com um processo de despejo por rendas em falta) está com um crescimento de 7%, a taxa de ocupação do Nelas Parque está acima dos 40%. O apoio social ganhou outra dinâmica também. Nelas não tinha uma Universidade Sénior ou um Cartão Sénior Municipal. Hoje temos, com mais de 120 alunos e 300 cartões. O apoio associativo cresceu 100%. Há uma diferença da noite para o dia quanto ao mandato anterior.

“O próximo mandato autárquico pode ser histórico.”

Acredita em mais uma vitória?

Depois de oito anos de uma casa completamente desgovernada, por causa mandato que eu considero que belisca a própria justiça do desenvolvimento autárquico harmonioso, chegar uma equipa autárquica com projetos e capacidade de investimento e mudar o concelho em 4 anos…  as pessoas têm de valorizar e perceber diferenças. Estou certo que em outubro me vão dar o voto de confiança. Ultrapassei as minhas expectativas e estou orgulhoso do que se fez. O próximo mandato autárquico pode ser histórico. Seria uma grande injustiça e imprudência dos nelenses tirar a possibilidade a equipa de não colher os frutos do excelente trabalho que se fez nestes 4 anos.

(Entrevista em versão impressa, edição jornal de julho 2017)