Ricardo Lopes

Portugal é um país desigual numa série de pontos. A concentração da população em grandes cidades, principalmente as do litoral, é um fenómeno que ocorre há diversos anos, sem um fim à vista. À procura de melhores condições de vida, aldeias e vilas são deixadas ao abandono, perdendo-se na História. Cada dia que passa, a população das zonas metropolitanas de Lisboa e do Porto só aumenta e a sua área fica cada vez maior. O mesmo se pode referir do Minho, cada vez mais importante e com um setor secundário altamente desenvolvido. Atenção que este êxodo para um local mais desenvolvido e com mais oportunidades não é um fenómeno exclusivo português. O caso italiano é semelhante, com o Norte profundamente mais avançado que o Sul, o que se prova pela localização das grandes cidades e polos industriais.

O futebol é um bom espelho daquilo que se está a passar em outros setores. Tal como sucede Calcio, os clubes das ligas profissionais (e da Liga 3), não estão repartidos de uma maneira equitativa pelo território. A temporada 2022/23 está prestes a arrancar e o mapa futebolístico mostra uma Zona Centro cada vez mais vazia. Na Primeira Liga somente existe uma equipa do interior, o GD Chaves (que até se situa no Norte do país), que alcançou a promoção esta época, liderados de uma maneira exímia por Bruno Carvalho e Vítor Campelos. A nossa região é totalmente inexistente no primeiro escalão. Somente surge na divisão imediatamente abaixo, com a representação do despromovido CD Tondela, Académico de Viseu FC e Sporting Clube da Covilhã. São três clubes a representar um território tão grande e com tantas caraterísticas diferenciadas, em trinta e seis lugares possíveis. Apesar da Beira Alta e Beira Baixa estarem representados no futebol profissional, continuam a existir regiões sem qualquer vaga.

Em Coimbra e Tondela situam-se duas das grandes deceções da temporada que findou. A Associação Académica de Coimbra disse “adeus” aos campeonatos profissionais, consequência de uma grave crise que assola o clube há muitos anos. O divórcio com a cidade e com os estudantes é por demais evidente, sendo cada vez mais um clube “normal”. Já o Tondela está longe de viver uma crise como a que se passa na cidade do Mondego, sendo a sua despromoção justificada por erros ocorridos ao longo da temporada. Contratar Nuno Campos foi o maior deles. O ex adjunto de Paulo Fonseca já tinha falhado nos Açores e confirmou nos tondelenses que ainda tem muito que aprender. Foi Pako Ayestarán que transformou o percurso até ao Jamor num sonho, havendo até nisso pouco mérito para o antecessor de Tozé Marreco. Já em Viseu, houve um conjunto de bons resultados que levaram o Académico à manutenção na Segunda Liga, apesar do futebol praticado ter continuado a ser fraco. Não deixa de ser bastante positivo haver uma capital de distrito com um clube nas divisões profissionais.

É bastante complexo que uma equipa da Zona Centro se consiga transformar numa equipa firme de Primeira Liga. A Académica conseguiu-a ser no passado, devido à grande adesão dos estudantes nos quadros dos clubes e que lhes permitiu ter grandes glórias do futebol português a atuar com as suas cores. Com o aumento da profissionalização, este fenómeno foi desaparecendo e os resultados estão à vista. É necessário investimento para que as equipas se desenvolvam.

Académico e Tondela têm cada um o seu investidor, capaz de colocar alguns atletas de qualidade no clube (apesar de tudo o Tondela está proibido de contratar, devido ao caso Khacef). A entrada de capital estrangeiro é um grande apoio, no entanto o clube tem de analisar bem quem está a colocar dinheiro no clube, o que leva a que seja alvo de um grande escrutínio, antes de se aceitar a oferta de perder uma percentagem da SAD. Ao longo dos últimos anos já verificámos casos de insucesso de um envolvimento de elementos de outras nacionalidades, como no caso do Clube Desportivo das Aves e do SC Beira-Mar.

A entrada de capital por via de empresas regionais/nacionais é outra bela ajuda. Na zona do Minho é uma situação que ocorre em diversos clubes. Há um apoio dos empresários a “clubes da terra”, para que estes se afirmem na Primeira Liga. Na Região Centro, a mesma situação não ocorre, pelo menos com grandes valores, capazes de criar um projeto audaz. O maior exemplo que podemos apresentar foi António Albino e a sua ASAFIL, que transformaram o Académico num clube profissional, porém dependente na atualidade do capital estrangeiro.

O apoio das Câmaras Municipais é fundamental para a sobrevivência das equipas, principalmente das que têm poucos patrocínios. Carlos Marta foi um dos grandes impulsionadores do projeto do Tondela, mostrando ambição em querer ajudar a colocar a equipa que era do seu município em destaque no futebol português, como nunca houvera estado. Foi inclusivamente Presidente da Assembleia Geral (além de ter sido atleta) até à época de 2013/2014. Em Viseu não assistimos a algo semelhante. Não há um forte apoio da Câmara Municipal ao Académico. O atraso nas obras do Fontelo e a curta presença de representantes do município no Municipal de Aveiro provam isso. Os acontecimentos das últimas semanas transmitem inclusivamente a ideia de que a área desportiva não é uma prioridade para a cidade. A “mini-guerra” entre Paulo Lopes e Fernando Ruas exibe o total desinteresse (e/ou desconhecimento) do Presidente da Câmara sobre a situação dos clubes e de quanto é que eles necessitam para sobreviver (neste caso no ramo do futsal). Sem o apoio da cidade, torna-se impossível qualquer clube desenvolver um projeto agradável e com uma boa margem de crescimento, independentemente da modalidade que seja. No futebol (onde é preciso muito mais dinheiro que em outros desportos) da Zona Centro, onde há menos investimento privado, essa entrada de capital vida do Município torna-se ainda mais fundamental.

Não obtendo esses apoios, verificamos que certas equipas não se conseguem inscrever nos seus campeonatos. Sem capital, o CR Ferreira de Aves perdeu o seu lugar no Campeonato de Portugal, o que aconteceu com o ARCD Oleiros e com o GR Vigor Mocidade, equipas igualmente do interior de Portugal.

Com isto, fica cada vez mais natural e aceitável a “litoralização” e “nortificação” do futebol, já que os apoios para as equipas do interior são cada vez mais curtos. Os melhores jogadores procuram igualmente onde há mais oportunidades. É impossível segurar os elementos promissores do distrito como Diogo Fonseca, António Silva ou André Lacximicant, que procuraram o melhor caminho para chegarem à profissionalização e à chance de ter uma carreira estável. Já ninguém imagina o regresso de qualquer um destes nomes a Viseu e arredores num futuro próximo, pois são atletas para jogar a alto nível.

Caso continuemos a seguir o mesmo rumo, a nossa região vai passar a ser totalmente irrelevante para o futebol. É necessária uma união da população e empresas à volta das equipas que os representam e não estar somente atento aos “três do costume”. Mais instituições fortes só vai aumentar a competitividade de todo o país, passando a existir um maior nível igualdade e equidade entre todas as regiões.

Artigo de Ricardo Lopes – Mestre em Estudos Avançados e Investigação em História

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