Fim de semana, 11 horas num campo do meu país. Duas jovens equipas, não mais de 12 ou 13 anos, e uma dupla de árbitros (uma das quais do sexo feminino), também muito jovens, não mais de 17 ou 18 anos.
Nos bancos, treinadores, diretores e outros atletas vibram com o jogo e anseiam por participar nele dentro do campo. Na bancada, os adeptos, principalmente pais, mães, irmãos e alguns curiosos, já demonstram um nervosismo injustificável. Na saída do balneário e no corredor de acesso ao campo, dois polícias e dois homens com coletes refletores asseguram a ordem. Dizem-nos que são ARD (assistentes de recinto desportivo).
Todos os fins de semana, este ritual repete-se com várias equipas. O ambiente não difere muito em função das equipas participantes. É um momento agradável e de boa disposição que se vive nestes jogos de jovens. Não fosse a presença obrigatória da polícia e dos ARD e tudo nos transportava para um espetáculo desportivo e lúdico que vamos querer ver e rever.
Tomamos conhecimento de que a presença policial é obrigatória porque no jogo anterior o ambiente implodiu e até o próprio presidente do clube atentou verbalmente contra a jovem equipa de arbitragem e os adversários porque a sua equipa perdeu.
A presença policial implica despesa para o clube e é um reconhecimento da necessidade de se garantir a segurança de todos os presentes num jogo de futebol de crianças num fim de semana que devia ser libertador para estas. E se o público é constituído maioritariamente por familiares dos atletas, só podemos concluir que a presença policial e de ARD é para a garantir a segurança face aos pais, os tios, os irmãos ou primos dos atletas.
Algo aconteceu para que estas medidas fossem tomadas.
Ainda em relação ao jogo anterior, a derrota fez com que o treinador fosse despedido e outro entrasse no seu lugar. Ficamos sem entender nada. Primeiro, a culpa foi da arbitragem, depois dos adversários e afinal foi do treinador?! Incoerência!!! Parece-nos que quem tem as maiores responsabilidades é que não sabe o que é desporto e muito menos formação.
Em Portugal, temos estes comportamentos da idade da pedra. A avaliação do trabalho é feita pelos resultados que se obtêm nos jogos, independentemente do escalão etário. O processo é irrelevante. São os resultados que medem o sucesso e as competências dos treinadores, dirigentes e atletas.
Início do jogo, os primeiros toques na bola, o árbitro assinala falta e … começa o triste e deplorável espetáculo nas bancadas. É ver adultos (ou, melhor dizendo, indigentes mentais) com uma diarreia verbal para com a equipa de arbitragem e para com todos os outros intervenientes de seguida, treinadores, adversários (atletas e familiares). Chegam ao cúmulo de atingirem os colegas do próprio filho!
Algo continua a acontecer. O comportamento dos adultos, os incentivadores da prática desportiva destas crianças, ultrapassa todos os limites toleráveis.
Não aceitamos estes comportamentos e questionamos os motivos da situação. A resposta é irreal: “É sempre assim, não liguem. É futebol e é o habitual“. NÃO! Não é futebol e não aceitamos que seja assim. Estes adultos silenciosos são facilitadores. É repugnante. Tratase de crianças e jovens e mesmo que assim não fosse…
No desporto e na formação desportiva, não há lugar para estes comportamentos. Na formação, ganhar é mais uma consequência do que o objetivo. As crianças não são mini-adultos.
Para as crianças e jovens, a prática desportiva tem diversos fatores motivacionais. A diversão, as amizades, o companheirismo, as deslocações e a sua evolução técnica. Ganhar é complementar. Ao contrário dos pais, que só dão importância a se o seu filho joga e aos resultados dos jogos. Esta obsessão é um dos principais fatores que leva ao abandono da prática desportiva dos jovens, por volta dos 15, 16 anos.
As crianças começam muito cedo a prática desportiva e as expetativas aos 10, 11 anos estão no auge. A enorme maioria começa aqui a sentir frustração e continua a assistir às discussões entre os pais, às advertências das forças policiais e a sofrer a pressão de dirigentes e treinadores, que querem mostrar resultados. São estas razões, entre outras, que levam ao abandono da prática desportiva. A paixão e a diversão do jogo acabam-se.
A crítica constante sobre o desempenho individual e coletivo é saturante e leva o jovem a optar por outras solicitações, como sair à noite ao fim de semana como os amigos, jogar computador, etc. Os adultos destroem o sonho de qualquer criança.
A responsabilidade é dos adultos, independente das funções que exercem no desporto, e como o seu comportamento não é exemplo a seguir, só podem queixar-se de si próprios. Estes adultos não só levam ao abandono dos próprios filhos, como também dos filhos dos outros!
O que muitos destes agentes desportivos transportam para o futebol é a vitimização que encobre as suas frustrações pelo caminho que escolheram. Pois que não sirva o futebol de formação de tapa-remendos dessas frustrações. Que não sirvam os jovens de bodes expiatórios de culpas pelas quais não são responsáveis.
Este tipo de intervenientes não tem lugar em desporto nenhum, e muito menos no futebol de formação. Por isso, ou acordam e reconhecem a triste figura que andam a fazer, ou então … desamparem-nos a loja!
Opinião de Vítor Santos,
Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto